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Análise de redação dissertativa da Fuvest

Muito leite e muita nata

A facilidade e a abundância de comunicação e informação trazidas pelas tecnologias atuais é uma das grandes marcas do mundo contemporâneo. Seu exemplo mais extraordinário é a Internet. Mas quanto dessa informação é relevante? Quanto dela é confiável? Quanto, necessária?
As opiniões divergem. Há quem considere o simples volume de informação e sua disseminação universal algo a ser comemorado. Outros alertam que a "Era da Informação" pode bem ser a da "desinformação, na medida que dissemina dados, opiniões e fatos que podem ser distorcidos e inverazes.
Creio que há um "caminho do meio" entre estes dois extremos. É verdade que a informação corrente sobre o mundo pode ser vista como uma simples narração infinita do presente - o "atual" em eterno retorno (vide a CNN e os canais de notícias e esportes 24 horas). Mas também é poderoso o argumento de que esta informação oferece aos juízos contemporâneos dados em tempo real para pesar na balança das grandes verdades e dos valores universais (e eles existem!).
Talvez o maior problema seja justamente a erosão de critérios de julgamento que a informação abundante parece propiciar - como se nada houvesse de estável, ou confiável, ou fixo. Porém, a Ciência é ainda - e seguirá sendo - um esteio do conhecimento. Da mesma forma como os Valores Humanos Universais são de uma invariância cravada na própria natureza humana. Além disso, a informação (quase?) infinita ajuda a demolir barreiras, a erodir visões etnocêntricas e egóicas, a criar consensos a construir um mundo mais justo. Os sistemas de auto-regulação -como os manifestos na Wikipédia, a enciclopédia virtual aberta à correção permanente - prometem que a informação não permaneça sempre rasa: uma abundância de escassez.
Numa metáfora pastoril: é de muito leite que se produz muita nata. A nata do conhecimento erudito sempre emergiu do leite ralo da cultura popular. Eruditos são feitos do mesmo barro que a "plebe ignara". Mas constróem seu conhecimento de forma mais elaborada, criteriosa, sutil. Em nosso tempo, mais conhecimento e mais informação - mesmo que "ralos" - hão de garantir abundante nata. E aí jaz o potencial de uma evolução humana como jamais antes foi experimentada.

(Fuvest 2008, Algumas das Melhores Redações. www.fuvest.br/vest2008/bestred/bestred.stm)



Análise da redação


NA MEDIDA CERTA: "Muito leite e muita nata" é um título bastante criativo e denso. Uma imagem divertida e adequada para uma dissertação que discutiria as desvantagens da fartura. O título aponta o caminho escolhido pelo candidato e ajuda a manter a redação coerente.

EQUILÍBRIO: o autor utilizou os dois primeiros parágrafos para apresentar, com bastante equilíbrio, dois lados do debate acerca da quantidade de informação. "Há quem considere o simples volume de informação ... algo a ser comemorado, outros alertam para a desinformação", dada a possibilidade de "distorções".

MEIO-TERMO: no terceiro parágrafo, o candidato ofereceu ao leitor a possibilidade de um meio-termo entre os dois olhares: nem condenando nem exaltando cegamente o volume de informações disponível na internet. Usando linguagem simples, de modo bastante direto, e valendo-se, inclusive, da primeira pessoa do singular, a opção do candidato serve de lição para os que pensam que uma posição unilateral ante um tema é fundamental para obter boa nota. Parece que, para os avaliadores da Fuvest -e, de certa forma, para qualquer banca examinadora-, é mais eficaz trabalhar com um olhar mais distanciado e critico do que apresentar um comportamento radical.
No quarto parágrafo, apesar do exagero no uso de linguagem rebuscada - como em "erodir visões etnocêntricas e egóicas" -, o autor concluiu com um paradoxo mais do que apropriado, "abundância de escassez", demonstrando domínio da linguagem escolhida.

RETOMADA: no desfecho, a opção segura de retomar o início do texto garantiu ao candidato, entre outras coisas, a coesão entre as várias partes da redação. A expressão "metáfora pastoril" evidenciou sua ilustração, pois o pastoralismo é um ambiente comum da literatura, ao mesmo tempo em que a metáfora é um recurso legítimo do texto dissertativo. Explicar a metáfora ampliou o espaço da argumentação e adensou a opinião desenvolvida desde o início.

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